quarta-feira, 26 de junho de 2013

TREM-BALA


Eng. Jomázio de Avelar

Administrar parece fácil. Parece. Na verdade, cada um, em sua vida particular ou atividade profissional, conhece as consequências das escolhas: acertos e erros; o que parece acerto, por vezes, ao final, mostra-se na verdade um erro, e muitas vezes dá-se o oposto. Porém, a ninguém é negado o direito de se apoiar em conceitos probabilísticos.   

A Engenharia econômica, que compõe viabilidade física, apoiada na técnica, com viabilidade econômico-comercial, pressupondo-se possibilidade financeira, conjuga tais ingredientes nas decisões de implantação de empreendimentos. A Engenharia, em todos os campos, se ocupa de viabilizar empreendimentos; estudos, inicialmente, e execução posteriormente. Daí a importância dos Engenheiros no desenvolvimento dos países. O Presidente Barack Obama, em seu discurso de posse, salientou: “Nossa jornada não estará completa até que encontremos uma maneira melhor de receber os imigrantes esforçados e esperançosos que ainda veem os Estados Unidos como o país das oportunidades; até que os jovens estudantes e engenheiros brilhantes passem a formar parte de nossa força de trabalho em lugar de serem expulsos do nosso país”. Se ele valoriza os engenheiros estrangeiros para trabalhar nos EUA, certamente valoriza os engenheiros americanos, por sua contribuição para superar a crise que estão enfrentando. É um alerta aos  governantes brasileiros, para que imitem o presidente americano, que já está preparando uma lei de imigração.

Trem-bala Rio-São Paulo-Campinas é um empreendimento curioso: pouco ou quase nada de estudo e muito de teste prático da viabilidade econômico-comercial. Que tipo de teste? Todas as tentativas de implantar o empreendimento na modalidade de concessão falharam; o fato de os editais de convocação internacional não terem atraído um licitante sequer em todo o planeta prova a sua inviabilidade. Apesar disso, o governo federal insiste em implantar o empreendimento. Agora dividiu a implantação em duas partes (possivelmente supondo que tal divisão supera a inviabilidade. Engano!): a primeira, com leilão previsto para setembro de 2013, será contratada pelo proponente vencedor da tecnologia e condições de operação do trem-bala. O consórcio vencedor dessa parte terá a participação de empresas privadas com 55% e 45% assumidos pela EPL (Empresa de Planejamento e Logística – estatal recém-criada) em valor estimado de R$ 7,67 bilhões – o edital assegura que o BNDES financiará 70%, com juros favorecidos e prazo de 40 anos, o mesmo prazo da concessão. Os 30% restantes, totalizando R$ 2,30 bilhões, serão divididos entre os consorciados, na proporção da participação respectiva. Assim, o consorciado proponente da tecnologia terá de desembolsar apenas R$ 1,27 bilhão e terá o controle total e a liderança do empreendimento de custo estimado pelo governo de R$ 35 bilhões (nossa estimativa é de R$ 70 bilhões).

Superada essa fase, deverá iniciar-se a segunda parte, com previsão para o primeiro semestre de 2014, quando será contratada a construção da ferrovia que é a obra civil propriamente dita, com custo estimado pelo governo em R$ 27 bilhões. Essa estimativa não é segura, visto não haver projeto no qual se basearem os estudos econômicos e de valoração, além de depender da tecnologia apresentada pelo proponente vencedor da primeira parte. Vê-se, tudo inserto.

Aparentemente, o edital poderá atrair proponentes. Resta, lá na frente, conferir se o valor mínimo da outorga da exploração do sistema, a ser pago no prazo de 40 anos, vai acontecer, pois dependerá de demanda pouco conhecida. Os construtores da ferrovia certamente estarão garantidos de receber pelos serviços prestados para executar uma obra de R$ 27 bilhões para o governo federal. O Tesouro Nacional sempre terá caixa para pagá-los (o recurso sempre provém de impostos ou de avanço no endividamento público).

Aqui reside o ponto nevrálgico da decisão de implantar o empreendimento trem-bala  Rio-São Paulo-Campinas: o investimento cairá no Tesouro Nacional, inicialmente dispêndio da ordem de R$ 70 bilhões e, posteriormente, dispêndio de valor anual desconhecido para custear as despesas de operação e manutenção. Essa conta será, para sempre, paga pelas futuras gerações.

Os governantes deveriam informar a população que os metrôs brasileiros, construídos com recursos públicos (investimento), têm seu custo operacional inviável, fato que ficou comprovado na contratação de terceiros para operar a linha 4 do Metrô de São Paulo. O governo do Estado tem de completar a receita anualmente para que o contratado alcance o equilíbrio receita-despesa. Nas demais linhas, o montante não é diferente. As promessas eleitorais de implantação de linhas de metrô têm seu custo para o povo. Não está em discussão se se deve ou não construir o metrô. Apenas os governantes devem informar que o metrô é subsidiado.

A Transnordestina, com orçamento inicial de R$ 4,5 bilhões em 2007, teve seu orçamento revisto para R$ 7,5 bilhões para 2013 (reportagem do Estadão, de 26/05/2013). E quando será concluída?

As obras de Transposição do Rio São Francisco, com orçamento inicial de R$ 4,8 bilhões, com orçamento revisado para R$ 8,2 bilhões (reportagem do Estadão, de 19/05/2013), estão paralisadas. Quando será concluída a obra?

A implantação do empreendimento trem-bala poderá comprometer investimentos de muitos empreendimentos altamente necessários e de viabilidade mais facilmente comprovável, como a exportação de grãos cuja produção é um privilégio do Brasil, seja pela excepcional dimensão da área agricultável, seja pela tecnologia desenvolvida pela EMBRAPA e aplicada pelos brasileiros. O transporte de carga, de forma geral, que inclui grãos, precisa ser alçado à condição de prioridade e ter custo competitivo. Um dos investimentos prioritários é no transporte ferroviário de carga, e não de passageiros, representado pelo trem-bala. O trem-bala seria denominado na época do regime militar de “obra faraônica”. Voltamos ao passado?

Há mais de 230 anos, o economista Adam Smith argumentava que, quando a infraestrutura for paga por si mesma, será menos provável termos elefantes brancos de pouco valor social.

O tema aqui abordado alerta para a necessidade de valorização do engenheiro brasileiro e sua adequada formação, como temos insistido em nossas manifestações. Engenheiros preparados, bem formados e brilhantes contribuem nas decisões sobre prioridade e investimentos com retorno, com base em viabilidade e administração de risco. Risco físico, econômico, financeiro e comercial. É inadiável a decisão de planejar a construção de nossa infraestrutura material, a logística de transportes que nos possibilite praticar competitivamente o comércio com o mundo e mesmo no âmbito de nosso mercado interno.

Constatamos enorme desperdício de dinheiro (em bilhões); a conta virá. Veja-se a crise dos países desenvolvidos. A lição é gratuita, e não estamos aprendendo. Não se trata de posição contra o governo, mas de posição a favor do Brasil. E os Engenheiros brasileiros precisam estar mais atentos e atuantes.

São Paulo, 28/05/2013