terça-feira, 28 de junho de 2011

A ficha caiu


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ADRIANO PIRES E ABEL HOLTZ

    Finalmente, intensificou-se nas últimas semanas o debate sobre a renovação das concessões do setor elétrico. As opiniões são diversas e consistentes na visão de cada um dos interessados. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) garante que, caso ocorra uma nova licitação, em vez da simples renovação, a tarifa pode cair até 80%. Existem propostas mais ambiciosas, como reproduzir, com adaptações, a bem-sucedida iniciativa do presidente Franklin Delano Roosevelt de concentrar numa só entidade a responsabilidade de desenvolver o uso múltiplo dos recursos hídricos e de tomar medidas mitigadoras para o controle de eventos extremos – tanto as secas quanto as cheias. O exemplo seria a Tennessee Valley Authority (TVA), nos Estados Unidos.
    Entretanto, esta é a oportunidade que poderemos ter para que as tarifas ao consumidor sejam menores do que aquelas atualmente praticadas, em qualquer das alternativas em análise, e que sempre sejam discutidos e modificados os tributos e encargos incidentes sobre a energia elétrica.
    Ressalte-se que em nenhum momento foi ventilado o eventual problema das exigências socioambientais que possam vir a ser discutidas pelas ONGs, indigenistas e quilombolas, e até impostas pelo próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) com base nas mesmas regras atualmente vigentes para as novas hidrelétricas – que praticamente não existiam a tempo de suas construções – para a renovação das concessões ou sua relicitação. Nem tampouco o que o novo Código Florestal, em discussão no Congresso Nacional, está prevendo como exigências que poderão ser estendidas aos lagos das hidrelétricas existentes.
    Cerca de um ano atrás, ao tratar do tema, tivemos a oportunidade de lembrar que as concessões teriam de ser escrutinadas caso a caso, para definir os direitos das empresas concessionárias ainda remanescentes sobre cada concessão individualmente, considerando que, ao longo do prazo de concessão, dezenas de planos econômico-financeiros impactaram sobre os custos e regras de apropriação dos investimentos realizados na concessão foram impostas às empresas – inflação, correção monetária, Plano Collor, Plano Verão, Unidade Real de Valor (URV), mudança de moedas, etc. Além disso, existem demandas legais em muitas delas ainda sem terem tramitado em julgado.
    Prosseguindo na tese da renovação das concessões, caso o governo imponha um número inadequado para o valor das tarifas, poderemos ter a inanição das empresas, com a necessária demissão de empregados, a diminuição de investimentos em manutenção e a eliminação de investimentos em expansão – consequentemente, piora nos serviços ao consumidor, com certeza.
    A imposição de uma tarifa única, como acena o governo, não parece ser um caminho seguro, posto que cada usina tem características próprias e as despesas para sua operação e manutenção são diversas, ainda que prevaleça a tese de que estão totalmente amortizadas, o que não deve ser verdade, pelo ponto acima explicitado.
    Pela razão apontada em relação à aferição dos investimentos feitos em cada concessão, a reversão também implicaria ressarcimento das empresas dos valores ainda não amortizados, ou o aumento do prazo de concessão até sua plena amortização, sempre caso a caso.
    Supondo que a alternativa de tarifas impostas de forma “flat” seja trilhada, os governos estariam correndo o risco de ter de assegurar a continuidade das geradoras estatais que viessem a perder, em alguns casos, as suas usinas, porque não haveria nem a geração de energia nem caixa para suportar sua existência, o pagamento a fornecedores, os planos de saúde e previdenciários de milhares de funcionários e as dívidas legais em processos ainda na Justiça.
    Caso o governo viesse a deixar as suas empresas ao deus-dará, elas seriam verdadeiros elefantes brancos, com compromissos e sem dotações do Tesouro Nacional para honrá-los. Fato que não seria novidade no Brasil, pois temos o exemplo do que ocorreu no setor ferroviário quando da privati- zação das ferrovias. O problema e os seus efeitos destruíram famílias nesse caso.
    Abstendo-nos do problema das empresas e não querendo ser pessimistas, mas avaliando a imposição de uma tarifa muito baixa, poderemos ter um incremento da demanda por causa dos preços finais que venham a aumentar de maneira irracional o consumo, ampliando o desperdício.
    Com essa pressão descontrolada, podemos vir a repetir erros do passado em relação ao suprimento. O que é pior nessa visão é que, não sendo reestruturada a cadeia de tributos e encargos, a arrecadação do governo sobre a energia elétrica poderá até aumentar, e ao consumidor ficará a falsa impressão de que estaria havendo a tão alardeada modicidade tarifária.
    O fato é que o prazo para fazer um trabalho sério se esgotou. Não será surpresa que nos próximos dias comecem a haver manifestações dos funcionários das empresas atingidas pela espada da reversão em todo o País, na defesa de seus interesses. Esse grupamento, na verdade, se constitui em outro interessado em que haja uma decisão num curto espaço de tempo, porque muito teria a perder no caso da reversão.
    Provavelmente, uma medida provisória – a essa altura já redigida – será enviada ao Congresso Nacional para que seja aprovada a qualquer custo, sem a correta avaliação dos seus efeitos, considerando a ampla maioria e o desconhecimento do problema por aqueles que vão aprová-la.
    A alternativa de relicitação esbarra na realidade espelhada na decorrência de mais de três anos de discussões inócuas e na falta de vontade política para enfrentar o problema com competência. E, o que é pior, os fatos estão a desenhar um quadro em que a atitude de empurrar com a barriga durará até não haver prazo hábil para uma decisão consequente, e assim impõe-se um novo casuísmo.
    E falando em efeitos, se houver a renovação das concessões do setor elétrico, por qualquer que seja o prazo, todas as demais concessões dos diversos setores de infraestrutura existentes no País poderão – e deverão – ter o mesmo tratamento isonômico, de acordo com a jurisprudência e a nossa Constituição.

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE) E ENGENHEIRO, CONSULTOR NA ÁREA DE ENERGIA E NEGÓCIOS, DIRETOR DA ABEL HOLTZ & ASSOCIADOS


Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 26 de Junho de 2011, B2.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Terra está cheia

Crise que mudará hábitos de consumo já está a caminho

Thomas L. Friedman (The New York Times - Colunista e Escritor)

    Você deve se perguntar se daqui a alguns anos nós olharemos para a primeira década do século 21 - quando preços dos alimentos dispararam, preços da energia subiram, a população mundial cresceu, tornados arrasaram cidades, inundações e secas estabeleceram recordes, populações foram desalojadas e governos ameaçados pela confluência de tudo isso – e nos perguntaremos: o que estávamos pensando?

    Como foi que não entramos em pânico quando havia evidências óbvias de ter cruzado algumas linhas vermelhas de crescimento/clima/recursos naturais/população todas de uma vez? “A única resposta pode se a negação”, argumenta Paul Gilding, veterano empresário ambientalista australiano que descreve este momento em um livro intitulado The Great Disruption: Why the Climate Crisis Will Bring On the End of Shopping and the Birth of a New World (A grande ruptura: por que a crise climática trará o fim da compulsão da compra e o nascimento de um novo mundo, em tradução livre).

    “Quando se está cercado por algo tão grande que requer que se mude tudo na maneira de pensar e ver o mundo, negar é a resposta natural. Mas quanto mais se espera, maior será a resposta requerida.” Gilding cita o trabalho da Global Footprint Network, uma aliança de cientistas que calcula quantos “planetas Terra” precisaremos para sustentar nossas taxas de crescimento correntes. O grupo mede quanta área de terra e água é necessária para produzir os recursos que consumimos e absorver nosso lixo, usando a tecnologia existente.

    Estamos crescendo a uma taxa que está usando os recursos da Terra bem mais rapidamente do que eles podem ser sustentadamente repostos, de modo que estamos comendo o futuro. Neste momento, o crescimento global está usando o equivalente a 1,5 Terra. “Ter apenas um planeta torna esse problema realmente significativo”, diz Gilding. Isso não é ficção científica.

    Quando estive no Iêmen, no ano passado, vi um caminhão-tanque entregando água na capital, Sanaa. Por quê? Porque Sanaa pode ser a primeira cidade grande do mundo a ficar sem água dentro de uma década. É isso que ocorre quando uma geração de um país vive a 150% de capacidade sustentável.

    “Se você cortar mais árvores do que planta, ficará sem árvores”, escreve Gilding. “Se colocar nitrogênio adicional num sistema de água, mudará o tipo e a quantidade de vida que a água pode suportar. Se engrossar o lençol de gás carbônico da Terra, a Terra ficará mais quente. Se fizer todas essas e outras ao mesmo tempo, mudará a maneira como o sistema todo do planeta Terra se comporta, com impactos sociais, econômicos e na sustentação da vida. Isso não é especulação, é ciência do colegial.”

    É também um assunto atual. “Nos milhares de anos de civilização da China, o conflito entre humanidade e natureza nunca foi tão grave como é hoje”, disse recentemente o ministro do Meio Ambiente da China, Zhou Shengxian. “A diminuição, deterioração e exaustão de recursos e o desequilíbrio do ambiente ecológico se tornaram gargalos e empecilhos graves ao desenvolvimento econômico e social da nação.” O que o ministro chinês está nos dizendo, diz Gilding, é que a Terra está cheia. Estamos usando agora tantos recursos e eliminando tanto lixo na Terra que atingimos uma espécie de limite.

    A economia vai ter de encolher em termos de impacto físico.” Não mudaremos sistemas, contudo, sem uma crise. Mas não se preocupem, estamos chegando lá. Estamos hoje apanhados em dois circuitos. Um é que aceleração do crescimento populacional e aumento do aquecimento global juntos provocam uma elevação dos preços dos alimentos. Uma elevação dos preços dos alimentos causa instabilidade política no Oriente Médio, que provoca uma alta nos preços do petróleo, que acarreta preços mais altos dos alimentos, que provocam mais instabilidade. Ao mesmo tempo, a produtividade aumentada significa que menos pessoas são necessárias em cada fábrica para produzir mais coisas. Sendo assim, se quisermos mais empregos, precisaremos de mais fábricas. Mais fábricas produzindo mais coisas causam mais aquecimento global. Aí os dois circuitos se encontram.

    Solução. Gilding é, ao final, um “eco-otimista”. Quando o impacto da Grande Ruptura iminente nos atingir, diz ele, “nossa resposta será proporcionalmente dramática, nos mobilizando como ocorre nas guerras. Mudaremos numa escala e velocidade que mal conseguimos imaginar hoje, reformando por completo nossa economia, incluindo nossos setores de energia e transporte, em poucas décadas”.

    Nós perceberemos, ele prevê, que o modelo de crescimento movido pelo consumo está quebrado e que temos de mudar para um modelo de crescimento mais movido pela felicidade, com pessoas trabalhando menos e ganhando menos. “Quantas pessoas”, pergunta Gilding, “deitadas em seus leitos de morte dizem ‘gostaria de ter trabalhado mais duro construindo mais valor para acionistas’ e quantas dizem ‘gostaria de ter jogando mais bola, lido mais livros para meus filhos, caminhado mais?’”

    Para isso, é preciso um modelo de crescimento baseado em oferecer mais tempo para as pessoas gozarem a vida, mas com menos coisas.” Parece utópico? Gilding insiste que é realista. “Estamos a caminho de uma escolha movida por crise”, diz ele. “Ou permitiremos que o colapso nos atinja ou desenvolveremos um novo modelo sustentável. Escolheremos a segunda. Podemos ser lentos, mas não somos estúpidos.” Tradução de Celso Paciornik

Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 11 de Junho de 2011, A19.


COMENTÁRIO

    O tema acima é mais do que oportuno - nos mostra que qualquer das duas opções representará alteração fundamental em nossas vidas. E, dentre todas as profissões, engenheiros, arquitetos, agrônomos, tecnólogos e técnicos industriais são aqueles que mais terão que se adaptar: novos produtos para um novo mundo.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Crise é oportunidade

Crise é oportunidade**


Jomázio Avelar*

A atual crise financeira originada no berço do sistema econômico mundial é mais um sintoma; outros até mais graves têm acontecido e estão acontecendo que não representam interesses grandes e imediatos e, por isso, sem tanta presença na mídia. A crise é efeito de uma causa que foi vendida com inteligência e implementada com eficiência nas últimas décadas, suportada pela revolução tecnológica da informação e da automação: a globalização.

A gestão da economia se alicerça em valores intangíveis, a ética e a moral, que decorrem do comportamento humano. A tecnologia é apenas veículo. A posição de liderança define responsabilidades, nem sempre assumidas por líderes políticos, empresariais, religiosos ou sociais. Neste sentido, os líderes são antes de tudo mestres; seus gestos ensinam o bem ou o mal, a realização ou a omissão. Os bons omissos cedem lugar aos ativos, muitas vezes inadequadas à posição. São as armas da ética e da moral que possibilitam liderar, com mais ou com menos eficácia e eficiência, acerto ou erro, um mundo tão populoso.

O poder exibido pelo atual estágio de progresso material inebria o imaginário de mentes açuladas pelo aparato publicitário, e esconde a falta de solidez e segurança dos fundamentos: a formação filosófica e espiritual. A crise financeira atual é resultado de más escolhas num sistema frágil, que requer zelo e vigilância permanentes pelos cidadãos, principalmente pelos líderes.

A cidadania tem se mostrado a fragilidade maior. A carência de formação filosófica e espiritual dos cidadãos é a causa da precária prática da cidadania. Sem cidadania governos não contam com apoio para governar, a começar por escolhas de maus governantes. Não são a pobreza e a ignorância as maiores contribuições à precária prática da cidadania, mas a omissão dos letrados que deveria estar em posição de liderança utilizando-a para conduzir e fundar suas decisões e condutas em bases éticas e morais aceitáveis. São regras válidas para todos, tendo o compromisso com o bem comum como cultura, pois a economia real é a que tem a ver com o cidadão comum, que depende de seu trabalho, da produção e do emprego.

Maior cuidado deve ser observado com decisões que propagam seus efeitos por décadas, ou mesmo séculos, característica das decisões de organizações grandes como governos e corporações empresariais, entidades de classe, sindicatos. São os casos de admissões de funcionários públicos, endividamento público, estatização indevida, legislação trabalhista, e outros. Certamente a mais importante das definições de estruturas decisórias é a não concentração de poder de qualquer natureza, o pluralismo, a sólida concepção de justiça e a orientação para o bem comum.

Lidera no cenário da crise o ator mais prestigiado da atualidade: mercado. O mercado constitui um problema peculiar, distinto dos conhecidos na ciência política. Ele não tem agências executivas ou legislativas capazes de recepcionar reivindicação ou lobby e menos ainda tribunais de justiça para apelação. Assim, ao contrário do soberano político, sensível à autopromoção, ao apresentar sentença de exclusão ou condenação social ou profissional, como perdas financeiras, o mercado não permite apelação. É impossível apelação contra perdas na Bolsa de Valores. As sentenças do mercado em geral, não só no financeiro, são tão rígidas e irrevogáveis quanto informais, tácitas e raras vezes declaradas em público. No Estado soberano cabe objeção e protesto, com chance, embora limitada, de anulação ou modificação parcial. No mercado não há juiz para julgar, nem sequer uma recepcionista para receber a petição.Cada vez mais o mercado se torna forte, ousado e obstinado, pela maneira como as decisões são tomadas e legitimadas.

A globalização que empolga os grandes grupos econômicos, as mega empresas, as empresas globais cada vez maiores, em detrimento das de porte médio e pequeno inviabilizadas e da competição profundamente inibida, e do cidadão comum e profissional, segue no sentido de minar a soberania do Estado, enfraquecendo-o e passando muitas de suas funções e prerrogativas aos poderes impessoais do mercado, levando o Estado à rendição cada vez mais abrangente às forças do mercado, sem atender às políticas preferidas e endossadas pelo eleitorado e tomando dos cidadãos o status de detentor de poder e árbitro final das propriedades políticas que a cidadania lhe asseguraria. O objetivo parece ser o Estado cada vez mais despido do poder de estabelecer as regras e apitar o jogo, retraindo-se à contemplação e aceitação de novo papel, de executor da soberania do mercado, em que se inclui seus braços jurídico e legislativo. As decisões são tomadas por cada vez menos pessoas e, o mais grave, decisões mais impessoais. Cada vez menos se identifica a autoria das decisões. Um poder invisível, intangível, inaudível, insípido. Não se trata de promover estatização, mas reduzir o custo do Estado para fortalecê-lo (agora liberado de dívidas e encargos de juros que o submete ao mercado) e colocá-lo na posição de árbitro, para ditar as regra e apitar o jogo, na relação entre o sistema produtivo poderoso (econômico) e o social, onde se situam os cidadãos pequenos empreendedores e profissionais, na condição de elo mais fraco, que tem de ser amparado para ter oportunidade de progredir, sob normas legais e legítimas válidas para todos os cidadãos, origem e fim de tudo. Há na sociedade um evidente descolamento entre a capacidade profissional geradora e detentora de conhecimentos e tecnologias, e a potência comercial das corporações empresariais viáveis na globalização (empresas globais).

Grandes guerras, crises mundiais como a atual, são conseqüência de decisões de conteúdo moral e ético precário, tomadas por grandes organizações, do Estado ou do mercado, por poucas pessoas, em desleixo ao principio de assegurar a qualidade decisória – cidadania - para decisões acertadas. Essa concentração de poder, político e/ou econômico, opera a serviço do aumento da pobreza, da injustiça, da ignorância de milhões de seres humanos.

O Estado federal, ou federalismo, descentralizado fundado em preceitos democráticos oferece melhores possibilidades de sucesso para o atingimento dos objetivos da sociedade de ter progresso material embasado em conteúdo filosófico, onde os direitos e deveres fundamentam o balanço da conduta dos cidadãos. Países têm que ter a estrutura de Estado para a formação filosófica e espiritual que possibilite o exercício da cidadania com entes federativos adequadamente contemplados com incumbências e responsabilidades de sorte a assegurar que os poderes decisórios estejam mais próximos do cidadão conforme seus interesses e suas possibilidades de ação, contribuindo assim para decisões mais acertadas, e articulando resistência à invasão pelo mercado restabelecendo assim os poderes do Estado, o qual tem endereço fixo e possibilidades de apelação. Ruim com Estado pior sem ele. E assim o cidadão conquistará que governos passem a governar para a sociedade e não só para o mercado.

É imperioso e oportuno atentar para a questão da dívida pública, que ocorre em quase todos os países e, de forma acentuada, no Brasil onde o precário equilíbrio das contas públicas ainda está baseado integralmente no aumento da carga tributária e na emissão de títulos públicos. A dívida condiciona tudo, não só os juros e os investimentos públicos, e deixa o Estado presa do mercado. Não é verdade a alegação de que para o Brasil “sua importância é secundária, visto que, de qualquer forma, ela nunca será paga”. Tal atitude seria imoral por si mesma, o tomar emprestado para não pagar. Esta posição não pode ser assumida por líderes (o que estariam ensinando aos liderados e às gerações futuras?). Ela será paga, caso contrário o mercado não compraria os títulos públicos. O que é pior, é que a dívida drena anualmente em juros recursos atualmente da ordem de cento e sessenta bilhões de reais que poderiam estar aplicados no desenvolvimento do País (assim como em outros países), como na infraestrutura, na educação, na saúde e outras áreas, em síntese, no interesse da sociedade.

O fortalecimento do Estado implica sustar a política de os governos operarem em regime de não equilíbrio orçamentário, com déficit orçamentário causado por demesurada despesa corrente. O setor público deve seguir mesmas regras que as empresas privadas e as famílias, e reservar a emissão de títulos públicos para a implantação de empreendimentos de retorno financeiro assegurado - só assim tem sentido a dívida pública.

O desequilíbrio orçamentário, despesa maior que receita, obriga os governos desprovidos de líderes capazes de medidas eficazes ao comodista expediente de emitir títulos públicos para assim equilibrar as contas nacionais. É fácil compreender que cada parcela anual da dívida pública interna tem o caráter de tributação, pois tais recursos provêm da sociedade. Assim, à elevada carga tributária brasileira acresce-se mais metade da mesma, como evidenciam as leis orçamentárias anuais. Essa herança será deixada para gerações futuras e assim viverão num mundo mais duro no plano econômico e mais conflituoso no social, com nítidas especificações de retrocesso e regressão, numa definição inequívoca de afastamento da orientação para o bem comum. A manutenção dessa situação é atribuível aos políticos, porém a responsabilidade de mudá-la é de todos os líderes, incluídos os empresariais, os religiosos, os sociais, os acadêmicos, os sindicalistas.

O que informa a mídia parece ser um equívoco dos lideres dos países, que poderá custar caro á humanidade: tentar resolver a crise só com dinheiro público despejado no mercado (monstro insaciável que produziu a crise); tal recurso financeiro virá do contribuinte que será ainda mais sobrecarregado – sem atacar a causa que é o Estado estar enfraquecido, o mercado favorecido e o cidadão (também as pequenas e médias empresas e os profissionais) abandonado à própria sorte.

A solução da crise deve contar com suporte financeiro para dinamizar a economia real combinado com reformas que dêem orientação mundial para o bem comum, sob a responsabilidade de todos os líderes, cuja nova ordem é a redução do endividamento público de todos os países por meio da redução de custo do Estado e assim dotar o mesmo e o mercado de maior capacidade de investimento, limitar a emissão de títulos públicos a empreendimentos de retorno assegurado, visando o pleno emprego e a iniciativa empresarial para a economia reencontrar o dinamismo perdido, com base em méritos que decorram de valores éticos e morais aplicados a tudo e a toda humanidade. Isto sim, será capaz de reconstruir a confiança, fazer com que a esperança decorra da ação e não o contrário, para descortinar perspectiva otimista de sentido para a vida, a ser amplamente disseminada aos bilhões de seres humanos. É o caminho mais curto e eficaz para a crise passar. A crise é oportunidade de nova ordem mais virtuosa e humanista: nova globalização.

Pelo caminho da cidadania, que é o maior controle e a maior vigilância contra a concentração de poder do Estado e do mercado, buscar a visibilidade dos autores nas decisões do mercado, restaurar o poder político do cidadão para pôr limites ao Estado e ao mercado, com critérios de punições por más decisões com sólidos fundamentos filosóficos e preceitos democráticos estatuídos a partir de conhecimentos humanos acumulados orientados para o bem comum. As decisões estarão mais próximas do cidadão e voltadas para o seu interesse, para dar sentido à vida das pessoas e melhoria nas relações humanas.

* Engenheiro Civil –Poli / USP – 1965, é Presidente do Conselho Brasil - Nação.
É Presidente da Evaldo Paes Barreto Ltda. desde agosto/1974, Empresa de Engenharia Consultiva e Montagem Hospitalar – Fundada em 1947. É Presidente da Engecred – Cooperativa de Crédito dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de São Paulo. Foi Diretor da Construtora Heleno e Fonseca S/A até junho 1974. Foi membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia de São Paulo biênio 1973/1974.


**Artigo Publicado na Revista BEM COMUM -  Uma publicação da Fides - Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social: nº 91, Ano XIII (2008).